Três rainhas decidem reabrir o processo de investigação do assassínio dos príncipes herdeiros da Casa de Iorque, no século XV. Ignoram a versão de Ricardo III e a narração da sua estratégia de conquista do poder, escrita por Shakespeare (já na transição entre a Idade Média e a Idade Moderna), e optam por circunscrever o caso aos factos, provas, documentos e objetos da época. Apoiadas em depoimentos, acareações e reconstituições, deslindam a teia da ascensão do monarca, visto ao longo dos tempos como a encarnação do mal. “A verdade histórica funciona como uma metáfora, uma parábola sobre o mundo atual; é só um pretexto para compreender como se organiza hoje o poder, os média, a sociedade, o cidadão”, conta Marco António Rodrigues, encenador e autor do texto, em conjunto com Jorge Louraço Figueira. O público, como acontece nos julgamentos mediáticos, é convidado a tomar uma posição.
Como é habitual nas produções do Teatrão, a música (neste caso, o punk rock) ocupa um papel fundamental no espetáculo, tendo sido convidado Victor Torpedo (Tédio Boys, The Parkinsons) para compor os temas originais, interpretados ao vivo por Rafael Silva (The Lazy Faithfull, Fugly) e Ricardo Brito (The Parkinsons, Wakadelics). “A música articula-se com a ideia de que Ricardo III é aquele sujeito que ganha o poder, porque tem a capacidade de falar a língua do povo, e ao mesmo tempo faz a ponte entre o Shakespeare e o nosso contributo”, sublinha o encenador brasileiro. Esta é a primeira de três criações originais do Teatrão, que assinalam os 25 anos da companhia e que inauguram o ciclo temático Casa do Poder, dedicado às “estruturas que submetem, alienam ou domesticam o corpo social” e à “incapacidade de construção de uma alternativa ao upgrade do sistema capitalista”. Tudo isto, enquanto se assiste ao crescimento dos movimentos nacionalistas/fascistas e ao discurso manipulativo dos novos messias.