O enredo de “Noite de Reis” é mesmo muito intrincado e ao mesmo tempo muito simples. Não dá para resumi-lo em duas ou três frases. Mas a cena é comum ao nosso imaginário: uma ilha paradisíaca, uma pequena corte, um romance assimétrico entre nobres, um naufrágio, irmãos gémeos, tios bêbados,empregados espertos, administradores duvidosos. Uma náufraga de origem nobre que se transveste como homem para metamorfosear-se em serva do duque que governa a ilha. Pronto. Esta é outra peculiaridade deste sujeito que não tem nada de chato: toda a sua obra é atravessada pela discussão sobre a ficção, em última análise pela própria matéria-prima do seu ofício, o teatro, o palco. Entre os muitos eixos temáticos que a peça nos sugere, acabámos em nossa encenaçãoenveredando por este. Podíamos privilegiar o amor, ou a imagem de amar o amor dos amores impossíveis e excessos da paixão com que a obra brinca e nos quais vemo-nos comumente enredados. Sem premeditar, o lugar que foi nos atraindo o dia a dia dos ensaios foi este — o da construção da ficção.
Shakespeare, lá no seu século, sem televisão, sem mil recursos tecnológicos: uma comunhão de homens e mulheres de um tempo rude reunidos em torno de um teatro circular ouvindo e vendo mil histórias quase encantadas. Não podíamos hoje, mesmo que quiséssemos, voltar atrás no tempo, abandonar as facilidades tecnológicas, a intimidade que todas as pessoas têm com a imagem, com a ficção por conta das novelas, dos comerciais, do digital e tudo o mais. Portanto ficamos perante a peça, querendo fazê-la, mas presos numa fímbria de tempo: não somos no palco o espaço das tecnologias fantásticas, das técnicas reprodutíveis que maravilharam nossas vidas a partir do século XX, mas também não somos os mesmos convivas do século XVII capazes de reinventar mundos e fundos e acreditar em singelas convenções com falsos bigodes e sonhos românticos. Nossa contemporaneidade é sempre relativa, somos descendentes diretos de uma arte arqueológica por natureza e característica, e ao mesmo tempo somos filhos da sociedade de massas, veloz e espetacular. Tratava-se e trata-se de como fazer esta peça. Como contar esta história? Como reinventar o mundo a partir de muito pouco? Enfim, como?
Marco Antonio Rodrigues
SINOPSE
Náufraga e disfarçada de jovem rapaz, Viola torna-se pagem de Orsino (Duque da Ilíria), adotando o nome de Cesário. Com o dever de conquistar para o Duque o amor da bela mas distante Condessa Olívia, Viola – entretanto apaixonada por Orsino – acaba por se tornar ela mesma no objeto dos afetos
da Condessa. Ao mesmo tempo, o tio de Olívia, Dom Telmo, e o seu companheiro de bebida Dom André, juntam forças com a camareira Maria e o bobo Festa para afastar o arrogante e pretensioso Malvólio, administrador da casa e da fortuna da Condessa. A confusão instala-se quando Sebastião, irmão que Viola julgava afogado, chega à Ilíria e aceita o pedido de casamento de Olívia, que o confunde com Cesário. Enganos e mal-entendidos vão dando lugar à diversão e bom humor à medida que esta hilariante comédia atinge a sua solar conclusão.
FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA
Dramaturgia: do grupo a partir da obra original de William Shakespeare
Encenação: Marco Antonio Rodrigues
Desenho de Luz: Jonathan Azevedo
Dispositivo Cénico e Figurinos: Helena Guerreiro
Direção Musical e Música Original: Rodrigo Santos
Adereços e Construção/Montagem Cenário: José Baltazar e Wilhem Ouwerkerk
Fotografia: Paulo Abrantes
Grafismo: Sofia Frazão
Costureira: Fernanda Tomás
Elenco: Inês Mourão, Isabel Craveiro, João Castro Gomes, Luís Eiras,
Margarida Sousa, Nuno Carvalho, Pedro Lamas, Rodrigo Santos, Sara Pereira
Direção de Produção: Inês Mourão
Produção Executiva: Nuno Carvalho e Marta Filipe
Direção Técnica: João Castro Gomes
Equipa Técnica: Alexandre Mestre, João Castro Gomes,
Jonathan Azevedo e Rui Capitão